Como já foi dito, em qualquer comunidade de fala, podemos observar a coexistência de um conjunto de variedades lingüísticas. Essa coexistência, entretanto, não se dá no vácuo, mas no contexto das relações sociais estabelecidas pela estrutura sociopolítica de cada comunidade. Na realidade objetiva da vida social, há sempre uma ordenação valorativa das variedades lingüísticas em uso, que reflete a hierarquia dos grupos sociais. Isto é, em todas as comunidades existem variedades que são consideradas superiores e outras inferiores. “Uma variedade lingüística ‘vale’ o que ‘valem’ na sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais” (Gnerre). Constata-se, de modo evidente, a existência de variedades prestigiadas e de variedades não prestigiadas nas sociedades em geral. As sociedades de tradição ocidental oferecem um caso particular de variedade prestigiada: a variedade padrão. A variedade padrão é a variedade lingüística socialmente mais valorizada de reconhecido prestígio dentro de uma comunidade, cujo uso é normalmente requerido em situações de interação determinadas, definidas pela comunidade como próprias em função da formalidade da situação, do assunto tratado, da relação entre os interlocutores etc. A questão da língua padrão tem uma enorme importância em sociedades como nossa.
A variedade padrão de uma comunidade não é como um senso comum faz crer a língua por excelência, posta em circulação, da qual os falantes se apropriam como podem ou são capazes. O que chamamos de variedade padrão é o resultado de uma atitude social ante a língua, que se traduz, de um lado, pela seleção de um dos modos de falar entre variedades existentes na comunidade, de outro, pelo estabelecimento de um conjunto de normas que definem o modo “correto” de falar. Tradicionalmente, o melhor modo de falar e as regras do bom uso correspondem aos hábitos lingüísticos dos grupos socialmente dominantes. Em nossas sociedades de tradição ocidental, a variedade padrão, historicamente coincide com a variedade falada pelas classes sociais altas, de determinadas regiões geográficas. A avaliação social das variedades lingüísticas é um fato observável em qualquer comunidade da fala. Freqüentemente, ouvimos falar em línguas “simples”, “inferiores”, “primitivas”. Para a Lingüística – ciência da linguagem – esse tipo de afirmação carece de qualquer fundamento científico. Toda língua é adequada à comunidade que utiliza, é um sistema completo que permite a um povo exprimir o mundo físico e simbólico em que vive. Assim como não existem línguas “inferiores”, não existem variedades lingüísticas “inferiores”. As línguas não são homogêneas e a variação observável em todas elas é produto de sua história e do seu presente. Em que se baseiam, então, as avaliações sociais? Podemos afirmar que os julgamentos sociais ante a língua – ou melhor, as atitudes sociais – se baseiam em critérios não lingüísticos: são julgamentos de natureza política e social.
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